IBERÊ MARIANO DA SILVA (**)
O volume de recursos movimentado pela indústria de defesa, em todo o mundo, talvez seja inferior apenas ao dos negócios na área de petróleo e gás natural. Os “lobbies” dos grandes fabricantes de equipamento para as Forças Armadas estão sempre prontos a se engalfinhar, na disputa por mercados.
Os países que não possuem uma base industrial de defesa autônoma estão sujeitos a todo tipo de pressões externas e internas. Durante as décadas de 70 e 80 do século passado, o Brasil chegou a ter uma indústria de defesa de relativa importância, tornando-se exportador de equipamentos militares de média sofisticação. Infelizmente, pouco restou dessa época.
No final dos anos 80, a indústria nacional de defesa (que, por sinal, jamais pôde contar com encomendas certas de nossas próprias Forças Armadas) entrou numa crise da qual ainda não se recuperou totalmente. À falta de apoio governamental veio somar-se o viés ideológico antimilitar da maioria dos governos posteriores a 1985.
A nova Estratégia Nacional de Defesa (END) ainda não apresentou resultados práticos. Em junho, foi concluída a elaboração dos Planos de Equipamento e Articulação das três forças singulares para o período 2009-2030. A proposta de um Projeto de Lei de Equipamento e Articulação da Defesa Nacional, a ser submetida ao presidente da República, deve ser finalizada até setembro.
Enquanto isso, a grande imprensa dedica-se a publicar especulações ou notícias plantadas sobre diversos programas de aquisição de material para as Forças Armadas. Com freqüência, são noticiadas supostas compras de equipamentos que, na realidade, não foram sequer selecionados entre os diversos participantes dos processos de concorrência.
Em valores corrigidos até 04/08/2009, a dotação autorizada do Ministério da Defesa para este ano é de R$ 52,61 bilhões, dos quais R$ 26,75 bilhões haviam sido empenhados e R$ 24,66 bilhões efetivamente pagos até aquela data. Transcorridos 216 dias (59,18%) do exercício fiscal, haviam sido desembolsados 46,88% do orçamento autorizado.
A situação orçamentária da Defesa em 2009 é apenas um pouco melhor que a do Orçamento da União como um todo. Neste orçamento, está previsto um total de recursos de R$ 1,681 trilhão, do qual R$ 1,349 trilhão foi empenhado e R$ 719,4 bilhões (42,79% do total autorizado) foram efetivamente pagos até 04/08.
A recomposição progressiva do orçamento de defesa é essencial para viabilizar a reconstituição das Forças Armadas brasileiras, após duas décadas de sucateamento. Na área militar, assim como na diplomacia e em outras atividades de Estado, os políticos não devem tentar fazer o trabalho dos profissionais especializados, mesmo que isso pareça ser “politicamente correto”.
Em junho deste ano, vimos como o profissionalismo dos militares é insubstituível, na gestão da crise humanitária ocasionada pelo acidente com o vôo 447 da Air France. O bom desempenho das tripulações dos meios aéreos e navais, empregados pela Marinha do Brasil e pela Força Aérea Brasileira, foi essencial para o cumprimento das missões de busca e resgate.
Comprovou-se o valor estratégico de ilhas oceânicas como Fernando de Noronha e Trindade, se dotadas de aeródromo com pista de dimensões apropriadas. Ampliar e modernizar a infra-estrutura de bases aéreas e navais, no Norte e no Nordeste do Brasil, é outra necessidade. A importância de uma doutrina de operações conjuntas e combinadas ficou demonstrada..
A crise serviu para dar visibilidade ao trabalho anônimo das Forças Armadas brasileiras, no desempenho de sua atividade-fim de defesa nacional e das atividades subsidiárias previstas na Constituição e nas leis. Tais atividades incluem o controle do tráfego aéreo e marítimo, assim como as operações de busca e salvamento, em terra ou no mar.
A pirataria marítima, que muitos (erroneamente) consideravam extinta, voltou a ser motivo de preocupação no Século XXI. Em áreas como o litoral da Somália (na região conhecida como “Chifre da África”), a ação dos piratas constitui grave ameaça à navegação internacional. No Atlântico Sul, os casos registrados de pirataria limitam-se, até agora, ao litoral africano do Golfo da Guiné.
Entretanto, o recente desaparecimento de um cargueiro russo ao sul do Canal da Mancha pode ser um indício de que aquela atividade ilícita já chegou às águas européias e a outras áreas do Atlântico. O Brasil precisa manter a vigilância das águas sob sua jurisdição, assim como das rotas marítimas de seu interesse, a fim de evitar que tal ameaça assimétrica nelas se manifeste.
As Forças Armadas podem ainda ser convocadas para desempenhar operações de paz no exterior (no Haiti ou em outros países), bem como de garantia da lei e da ordem (GLO) dentro do próprio território nacional. Contudo, deve-se ter em mente que, em qualquer país, a finalidade das Forças Armadas é a defesa contra ameaças e agressões de origem externa.
Para que as Forças Armadas sejam um instrumento do Estado, é preciso que haja Estado. As relações internacionais pressupõem a existência de comunidades políticas independentes, dotadas de governo, as quais afirmam sua soberania sobre um território e uma população. O Estado nacional é a única forma de organização política democrática, de eficácia comprovada, atualmente disponível.
Para fortalecer o Estado brasileiro, a valorização dos militares e dos servidores públicos civis é essencial. O profissionalismo existente na área militar e na diplomacia deve ser estendido a todo o serviço público. As Forças Armadas, assim como o Itamaraty, conseguiram resistir à onda de desmonte do Estado no Brasil. Agora é preciso reverter os efeitos dessa onda.
(*) Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da UERJ.
(**) General-de-brigada engenheiro militar, na reserva.
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