Urna não é tribunal, ministro Dulci "O governo já foi julgado nas urnas democraticamente e recebeu uma aprovação consagradora do povo brasileiro. Esse é o julgamento. Na democracia, quem julga politicamente não são as pessoas, ainda que as opiniões sejam todas respeitadas. Quem julga na democracia é o povo soberano, e o povo soberano reelegeu consagradoramente o presidente Lula". A fala é do ministro Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência da República e um dos formuladores do PT com ambições intelectuais. De fato, do atual núcleo de poder do partido, ele é o que tem mais leitura, o que não quer dizer que compreenda a democracia mais do que os outros. A rigor, as luzes para um intelectual de esquerda são um risco: costumam encontrar argumentos novos contra o regime de liberdades em nome da construção do “novo homem”. A fala acima é típica da delinqüência teórica que toma conta do Brasil. Pode justificar o governo Lula. Pode justificar o nazismo. Pode justificar tanto o fascismo islâmico de Muhammad Ahmadinejad como a ditadura “socialista” de Hugo Chávez. Dulci, enfim, explica qualquer coisa com essa bobagem. Só não explica a democracia. Mais: ele está afrontando também o Judiciário. Porque, no estado de direito, quem julga é a Justiça, meu senhor. No dia em que o povo “julgar”, estaremos vivendo num regime totalitário, numa ditadura — de esquerda ou de direita, tanto faz. Aí o bobinho vai dizer: “Mas ele falou em ‘julgar politicamente’”. E daí? Piorou. O criminoso alcançado pela mão da Justiça não pode ser absolvido pela política. E, mesmo reeleito, se Lula cometer crime de responsabilidade — outro; ao menos um, eu acho que ele já cometeu —, tem de ser defenestrado. Atenção, sr. Dulci: tem de ser defenestrado ainda que o povo não queira. E, se não quiser, então é preciso dar um jeito no povo também. É claro que falo um tanto pra chocar os idiotas. O que precisamos compreender é que o “povo soberano” fez a Constituição que aí está. E nem ele próprio pode solapá-la, a menos que faça revolução, rasgue a ordem instituída e imponha outra no lugar. Aí cessa tudo o que cantava a antiga musa. Enquanto não o fizer, não há eleição, meu senhor, que coloque o mandatário acima das leis. Para lembrar o ministro Celso Mello, “ninguém está acima delas”. Ainda que pareça uma obviedade, foi coisa oportuna porque os petistas acreditam que o tal “povo” lhes concede licenças especiais. Às vezes nos orgulhamos de alguns textos. Um dos que me deixam muito satisfeito é aquele com que estreei na VEJA, há rigorosamente um ano. Leiam o primeiro parágrafo. Parece ter sido escrito olhando para o bigodinho de Dulci: “Um novo refrão anda ‘nas cabeças, anda nas bocas’, poderia dizer o lulista Chico Buarque: a possível reeleição do presidente absolve os petistas de todos os seus crimes. As urnas fariam pelo PT o que o ditador soviético Josef Stálin fez por si mesmo: apagar a história. É um embuste. A vantagem do presidente se deve à economia, à inépcia e inapetência das oposições, às políticas assistencialistas, tornadas uma eficiente máquina eleitoral, e à ignorância, agora a serviço do tal ‘outro mundo possível’. O povo é, sim, um tipinho suspeito, mas não vota para livrar a cara dos marcolas da ideologia.” Ainda naquele artigo, escrevi: “O tucano Geraldo Alckmin diz que o povo nunca erra. Está errado. Houvesse um modo mais seguro de governar, seria o caso de aposentar a democracia. Mas não há. Basta olhar para os números das pesquisas para constatar que, pela primeira vez desde a redemocratização, há um divórcio entre a escolha dos mais pobres e menos instruídos e a dos chamados "formadores de opinião". O neo-iluminismo petista se constrói tendo em uma das mãos a miséria tornada cativa da caridade oficial – os servos senhores de servos – e, na outra, a desinformação, a ignorância. Não chega a ser uma luta de classes. É só um arranca-rabo, mas é o bastante para alimentar as ilusões redentoras de quem usa a Ética do filósofo holandês Spinoza para justificar a ética de Delúbio Soares e Paulo Betti.”. Para ler o artigo na íntegra, clique aqui (link aberto). É isso aí. O “povo” de Dulci não dá ao PT o direito de esbulhar as leis. E que se note: a sua formulação não é fruto de uma infelicidade, mas de um cálculo político. Em termos um pouco menos explícitos, Lula disse a mesma coisa, lembrando que a oposição tentou derrubá-lo — é mentira. Ao fazer tal associação, parecia atribuir o julgamento do Supremo a uma ação de adversários, o que é de um ridículo sem par. |
Por Reinaldo Azevedo | 04:46 | comentários (27) |
30.8.07
Urna não é tribunal, ministro Dulci
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